Branca de Neve

outubro 22, 2012  |   Contos   |     |   0 Comment

Nurah Said Said

Youssef ainda dispunha de uma semana de férias e queria aproveitá-la ao máximo com a família. Havia chegado há poucos dias do Egito e a rotina de casa estava o inserido novamente no seu pequeno e já conhecido mundo, onde a segurança reinava no café quente tomado na caneca do papai ou num filme no final do dia. A rotina o trazia de volta do mundo surreal dos nômades do deserto. Aliás, por um tempo, ele queria esquecer um pouco o turbilhão que havia passado por lá, vivenciando de perto uma tempestade do deserto.

Uma noite, lendo a história de Branca de Neve à filha, chegou na parte em que a rainha manda o caçador matar a protagonista da história, para se tornar a mais bela de todo o reinado. Com a inocência característica de qualquer criança com quatro anos, Ãmar interrompeu o pai, quase em pânico: Mas por que ela quer matar a Branca de Neve, papai? Pra ela ser a mais bela de todo o reinado, minha filha. Respondeu Youssef sem dar a devida atenção ao choque que se instalou na menina. -Mas por que a Branca de Neve não pode ser bonita no reinado, também? Ela insistiu.

-Porque a rainha quer ser a única.

-Mas por que ela quer ser a única?! Perguntou Ãmar, quase gritando.

Pela primeira vez, Youssef ficou sem resposta e notou enfim, que a filha tinha fisgado uma linha de raciocínio que estava acima de qualquer história infantil. Buscou as palavras certas e cuidadosamente, respondeu:

-É que tem pessoas, minha filha, que são um pouco egoístas. Elas pensam só no jeito que elas podem ser felizes, mesmo que isso prejudique as outras.

-E por que elas fazem isso? Perguntou ela, inconformada.

-Porque pra essas pessoas, só o mundo delas é importante. É como…

-Mas ela é uma rainha, papai!! Essa história tá errada!! Uma rainha é uma pessoa especial! Ela nunca ia fazer mal pra Branca de Neve que é boazinha, né? A menina estava quase em pânico. Tentava salvar o seu mundo pueril da incoerência e maldade daquela narrativa. Youssef notou a inocência e a confusão plasmadas no rosto da filha. Os pequenos olhos redondos e castanhos arregalados, exigiam uma resposta que reconstruísse todo o mal entendido daquela história. Ele pensava rapidamente em alguma explicação plausível para a atitude má daquela personagem infantil. Como explicar que o mundo estava cheio de personagens assim? E que no decorrer de sua vida, ela iria ser vítima de uma delas? Aquele minuto de silencio foi mais devastador do que a tempestade do deserto que tinha passado. De súbito, fechou o livro, lhe fez cócegas para que suas gargalhadas desmanchassem seu olhar tenso e começou a contar uma história infantil que acabara de inventar.

Iria dar um jeito de se livrar daquele livro e depois pensaria numa explicação plausível para todas as perguntas que ela tinha feito. Naquele momento, ela era apenas uma criança e não precisava entender toda a dura realidade dos adultos. Para isso, ela teria todos os anos vindouros.

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